quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A misteriosa menina

Um vendedor de bijuterias tentava negociar alguns de seus produtos desde manhã e nada conseguia. Em sua fadiga pensou na esposa e nos três filhinhos que o esperavam em casa."Meu Deus! – monologou – o que fazer para conseguir dinheiro suficiente para sustentar minha família? Não Vos peço muito: só o necessário para hoje". Todavia, as horas foram passando e nada acontecia para lhe melhorar a sorte. "Por quê, Senhor, permitiste isto? Por acaso não sou vosso filho?" O sol já começava a declinar-se no horizonte quando ele desmontou sua barraca e pôs-se a caminho de casa, sem saber como chegar de mãos vazias. Morava de favores numa chácara, ali perto. Foi caminhando vagarosamente a fim de retardar a tortura que sentiria ao defrontar-se com a família, talvez esperançosa com a sua chegada. "Já que até Deus se esqueceu de mim, – pensou – resta-me apenas uma saída". Retirou das costas a grande mochila, onde estavam os produtos para a venda, e a barraca desmontada. Apanhou a corda que servia de amarras, entrou no matagal, e junto a um riacho escolheu uma árvore, jogou uma das extremidades da corda sobre um galho, amarrando-a fortemente, e pôs-se a fazer o laço fatídico. Nisso, aparece-lhe uma graciosa menina, de cabelos cacheados, olhar penetrante, a esboçar um sorriso. – Ei, moço – perguntou suavemente – empresta-me essa corda? – Emprestar-lhe a corda? Para quê? – Quero fazer um balanço para brincar, nem que seja por um pouquinho só. E apontando para o chão, observou: – O senhor deixou cair a carteira. – Que carteira?! – assustou-se – Não tenho nenhuma carteira. – Olha ela aí perto do seu pé. – Baixando os olhos ficou estupefato. Ali estava uma carteira recheada de dinheiro. Apanhou-a rapidamente e nela procurou algum documento que indicasse o nome e o endereço de quem a perdera, pois honesto como era, jamais se apossaria de algo que não lhe pertencesse. Contudo, não encontrou um só documento. Nela estava um maço de notas, suficiente para sustentar a família por alguns meses. Feliz e arrependido ao mesmo tempo, por ter duvidado de Deus e por ter pensado em por fim à própria vida, ajoelhou-se e pediu perdão pela sua falta de fé. Terminada a prece, retirou a corda para dá-la de presente a menina, mas quando a procurou, ela já não estava mais ali. Chegou em sua casa feliz, mas também interrogativo: "Quem era aquela menina? Como poderia alguém ter perdido uma carteira naquele lugar tão ermo?" Contou tudo à esposa, com detalhes. A mulher, mais esclarecida que ele sobre as coisas de Deus, pôs-se a falar: – Meu querido, não percebe que a menina era um Anjo enviado por Deus, a fim de suprir nossas necessidades? – Mas... E a carteira? Deus não a jogaria do Céu. – Claro que não. Mas pode ter feito alguém, à quem esse dinheiro não faria falta, ter ido até aquele lugar, onde a deixou cair, para você a encontrar. – É... Faz sentido. – Muitas vezes, meu marido, não entendemos os propósitos de Deus. Ele não atendeu o seu pedido na hora, a fim de provar a sua fé. Mas depois nos socorreu, pois jamais deixa seus filhos perecerem e não os abandona momento algum. – É... Mas eu falhei em minha fé. – Mesmo assim, Ele entendeu e perdoou a sua fraqueza. Por isso, diante das maiores dificuldades nunca podemos duvidar Daquele que nos criou e nos colocou aqui na Terra. Essas dificuldades que estamos passando, têm sua razão de ser, embora não saibamos qual é. O sofrimento nos torna mais fortes e resgata nossas dívidas diante de Deus. Por outro lado... Foi interrompida por alguém que batia à porta. Atenderam cismados. Um homem bem vestido, após cumprimentá-los, perguntou: – Por acaso algum de vocês achou uma carteira por aí? Estava no mato à procura do meu cachorrinho de estimação e, quando voltei para casa, dei pela falta da carteira. Como eu sei que o senhor costuma passar por lá, vim perguntar. Marido e mulher se entreolharam, deixando transparecer certa decepção. – Sim – disse-lhe o vendedor – aqui está ela. O desconhecido olhou a miséria no ambiente, observou as crianças esquálidas e pediu: – A senhora pode me servir um cafezinho? – Sinto muito, senhor. Não temos nada em casa, nem mesmo para fazer um café. O rosto do homem contraiu-se de pena. Abriu a carteira, deu-lhe um pacote de notas e dirigindo-se ao dono da casa, foi taxativo, fazendo referência à difícil situação em que se encontravam. – Venha ao mercado comigo para comprarmos o que vocês precisam. Tome este cartão e me procure amanhã. Pela sua honestidade, tão rara nos dias de hoje, convido-o a trabalhar na minha empresa e a senhora. Aí o casal compreendeu como Deus é perfeito em tudo o que faz. Só o mistério do aparecimento da menina não conseguiram desvendar, mas continuaram acreditando que fosse um anjo.

(Jorge Felipe Sá de Freitas)