segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Mil bolinhas de gude

Quanto mais velho fico, mais gosto das manha de sábado. Talvez seja por causa da quietude e da sensação de Solitude por ser o primeiro a levantar, ou quem sabe? - a Alegria desmedida de não ter de ir trabalhar. De um jeito ou de outro, as primeiras horas das manhas de sábado são mais alegres.
Há algumas semanas eu estava me arrastando na direção do Porão (...) com uma xícara de café bem quentinho em uma das mãos e o jornal na outra. O que começou com uma típica manha de sábado se transformou numa daquelas lições que a vida parece nos ensinar de tempos em tempos. Permita - me contar o que aconteceu.
Sou radioamador, e sintonizei na faixa de comunicação por telefone para ouvir uma comunicação em rede que costumava ocorrer nas manhãs de sábado. No caminho, passei por um velho companheiro radioamador, que transmitia num sinal bem forte e com uma voz perfeita. Você sabe aqueles sujeitos que poderiam ser locutores de televisão. Ele estava conversando com alguém e comentando sobre "mil bolinhas de Gude". Fiquei curioso e parei para ouvir o que ele dizia.
- Bem, Tom, parece mesmo que você esta muito ocupado com seu trabalho. Tenho certeza que eles pagam muito bem, mas é um absurdo você precisar se afastar tanto de sua casa e de sua família. É difícil acreditar que uma pessoa tão jovem tenha de trabalhar sessenta ou setenta horas por semana para poder se sustentar . Foi muito ruim você ter perdido a apresentação de dança de sua filha . Vou contar uma coisa a você, Tom, algo que tem me ajudado a manter uma boa perspectiva em relação a minhas prioridades.
Foi quando ele começou a explicar a teoria das "mil bolinhas de Gude".
- Veja bem, um dia me sentei e fiz um breve cálculo. Uma pessoa vive em média, cerca de 75 anos. Sei que alguns vivem mais e outros vivem menos, más, em média, a vida de uma pessoa dura cerca de 75 anos. Aí multipliquei 75 por 52 e cheguei a 3.900, que é o número de sábados que a pessoa vive, em média, durante toda a vida. Agora, continue acompanhando meu raciocínio, Tom; estou chegando na parte mais importante. Levei 55 anos de minha vida para começar a pensar sobre tudo isso em detalhes, e naquela época eu ja havia vivido 2.800 sábados. Calculei que, se eu vivesse até os 75 anos, só teria pouco mais de mil sábados restantes para aproveitar. Então fui a uma loja de brinquedos e comprei mil bolinhas de Gude. Levei-as para casa e coloquei dentro de uma caixa grande de plástico que fica aqui (...)perto de meu equipamento. Desde então, todo sábado eu tiro uma uma bolinha de gude e jogo longe. Descobri que, conforme via o número de bolinhas diminuir , eu me concentrava mais nas coisas realmente importantes da vida. Não há nada como perceber o tempo de vida nesta terra indo embora para ajudar a pessoa a focar nas prioridades. Mas permita me dizer mais uma coisa antes de finalizarmos nossa conversa e desligarmos o radio para eu poder levar minha adorável esposa par tomar café: Esta manhã tirei a ultima bolinha de gude da caixa. Fiquei pensando que, se eu continuar vivo até o próximo sábado, significa que ganhei um tempo extra na vida. E a única coisa que todos podemos desfrutar é um pouquinho mais de tempo.
Foi um prazer falar com você, Tom, e espero que passe mais tempo com sua família. Tomara que voltemos a nos falar pelo rádio um dia desses.
O silêncio era total no rádio quando aquele homem desligou. Acho que ele tinha nos fornecido material para um bocado de reflexão. Eu havia planejado trabalhar na antena do rádio naquela manhã, e depois me encontraria com alguns amigos radioamadores para elaborar o próximo boletim do clube. Em vez disso, subi as escadas e acordei minha esposa com um beijo.
- Vamos lá, meu bem, vou levar você e as crianças para tomar café.
- Por que essa novidade? - ela perguntou sorrindo.
- Ah, nada de especial. É que já faz muito tempo desde a última vez que passei um sábado inteiro com você e as crianças. Ei, daria para parar numa loja de brinquedos quando sairmos? Preciso comprar umas bolas de Gude".