quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O inventário das coisas perdidas

Naquele dia eu vi meu avô diferente. Tinha o olhar enfocado ao longe. Quase ausente. Penso agora que talvez pressentisse que era o último dia de sua vida. Aproximei-me e disse: "Bom dia avô!" E ele estendeu a sua mão em silêncio. Sentei junto ao seu sofá e depois de uns instantes um tanto misteriosos, exclamou: - "Hoje é dia de inventário, filho!" "Inventário?" Perguntei surpreso.
Sim. Inventário de tantas coisas perdidas! Disse o avô. E continuo:
Sempre tive desejos de fazer muitas coisas que nunca fiz, por não ter vontade suficiente para sobrepor-me a minha preguiça. Lembro também daquela menina que amei em silêncio por tantos anos, até que um dia foi embora do povoado sem eu saber.
Também estive a ponto de estudar engenharia, mas não me atrevi. Lembro de tantos momentos em que fiz mal aos outros por não ter a coragem necessária para falar, para dizer o que pensava. E outras vezes em que a valentia me faltou para ser leal. Foram poucas as vezes que tenho dito para sua avó que a amo, e que a amo com loucura. Tantas coisas não concluídas, tantos amores não declarados, tantas oportunidades perdidas!"

Logo, com certa alegria em seu rosto, continuou: - "Sabes o que tenho descoberto nestes dias? Tu sabes qual é o pecado mais grave na vida de um homem"? Perguntou meu avô.
A pergunta me surpreendeu e só atinei em dizer, com certa insegurança: "Não tenho pensado nisso ainda, mas suponho que seja matar a outros seres humanos, odiar ao próximo e desejar-lhe mal...".
Meu avô me olhou com afeto e me disse: "Penso que o pecado mais grave na vida do ser humano é o pecado da omissão. E o mais doloroso é descobrir as coisas perdidas sem ter tempo de encontrá-las e recuperá-las".

***

No dia seguinte voltei cedo para casa, depois do enterro do meu avô para fazer com calma o meu próprio "inventário" das coisas perdidas, das coisas não ditas, do afeto não manifestado.