Deveriam ser mais ou menos 10 horas da manhã. Ele estava no seu armazém, arrumando as mercadorias nas prateleiras. O movimento andava fraco e ele pensava nos compromissos financeiros assumidos, na esposa, nos três filhos. Foi então que, descendo a rua, a mulher magra e em desalinho foi chegando. Trazia no corpo as marcas do descuido. Nos braços, um bebê mirrado, parecendo à beira da morte.
Ela entrou no armazém e falou numa linguagem enrolada, de quem se embriagou ou ainda não despertou plenamente: "O senhor quer o meu bebê? Sei que o senhor é homem de bem." Abriu os panos que envolviam o pequeno e o comerciante pode ver o estrago daquele corpinho. O abdômen volumoso contrastava com o esqueleto à mostra. Mas os olhos do garoto eram grandes, expressivos, e se dirigiam para ele como a suplicar: "Eu quero viver. Eu preciso viver. Cuide de mim."
"O senhor fica ou não fica?" tornou a mulher, agora um pouco irritada ou impaciente. E continuou: "Ele vai morrer mesmo. Está morrendo. Já não quer comer...”
Pedro sentiu n`alma um estranho sentimento. Correu ao telefone e chamou a esposa: "Venha logo. É urgente!" Quando Irene viu o bebê, tomou-se de amores. E do armazém para o hospital, o trajeto foi curto e rápido.
A criança foi submetida a várias cirurgias, tratamentos múltiplos. Estranhamente, não chorava. Mas seus olhos negros, grandes, expressivos, somente suplicavam: "Desejo viver. Eu preciso desta oportunidade. Não me deixem morrer." Já se passaram muitos anos do ocorrido. João é agora um garoto vivo, esperto, traquina. Ama Pedro e Irene como seus pais e é por eles amado. Os irmãos lhe têm especial carinho. E ele mostra, com orgulho, as cicatrizes do ventre.
É como um herói ostentando as cicatrizes de batalhas enfrentadas e vencidas. João venceu e lutou para viver. E no seu caminho encontrou seres que, em nome do amor o aconchegaram, recebendo-o no próprio coração, sem temor, nem preconceito.
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Quando os homens acodem os seres indefesos, encontram sempre amparo, apoio, forças. Se um dia surgir uma dessas oportunidades de socorrer um pequenino, esteja atento e, se possível, atenda. Porque Deus se serve dos homens para amparar seus filhos.