sábado, 10 de maio de 2008

-> Isabella, perdoa-nos!

Gente adulta pode ser má, muito má. Você, Isabella, soube dissode uma forma muito dura.Esganaram seu pescocinho. Arremessaram seu corpo frágildo sexto andar do seu apartamento. Você deve ter sentido dores terríveis.
Sofrido os piores minutos de pavor e agonia.Até que seus olhinhos, mesmo estatelados,deixaram de ver este mundo.Isabella, pedimos o seu perdão porque nós, adultos, criamos leis que beneficiam criminosos.A lei brasileira presume a inocência de um assassino, mesmo diante de evidencias razoáveis de culpa.Porém, essa mesma lei não vê a inocência de uma criança.Adultos brasileiros, Isabelinha,têm o costume de ficar parados, assistindo às crianças morrerem.Com isso, no Brasil, dezesseis vítimas infantissão assassinadas todos os dias. Criançinhas da sua idade,são torturadas, como o menininho João Hélio lá do Rio de Janeiroe os corpinhos são trucidados sem piedade.E o povo brasileiro não faz nada.Os assassinatos de crianças e adolescentes aumentaram 306%,no Brasil, entre 1980 e 2002.Eu sei que você não vai entender esses números.Você – como toda criança – queria viver, brincar, sorrir, ser feliz.Esse seu direito, o assassino tirou. E agora esse mesmo assassino pode se beneficiar da lei molenga e da preguiça dos brasileiros.Perdoe, Isabella, este país, que ainda é uma criança,no sentido irresponsável da palavra. Ele também não cresceu.Em assuntos sérios, como os homicídios de crianças,o Brasil parece brincar com a justiça necessária ao caso, diante de leis que soamcomo brincadeira; infelizmente, de péssimo gosto. Este país, Isabella,não gosta de punir criminosos.Se você perdoar a complacência da lei dos adultos com os criminosos, não pense, ainda, que todo adulto é malvado ou dá de costas para indefesas crianças.Quando o João Hélio morreu, nós – aqui desta cidadeque você nunca ouviu falar – sentimos muito.Escrevemos para ele também.Nós não tivemos como enviar uma coroa de florespara o seu túmulo, Isabelinha.Mas não vamos ficar aqui lamentando, como muitos fazem. Nossa homenagema você, querida criança, é dizer-lhe que os pequeninos, nesta cidade, não estão abandonados à própria sorte.Nem padecerão, pela fraqueza da lei diante de atrocidades como a sua.Estamos em meio a uma grande batalha, Isabella, entre adultos.Para alterar a visão que o pessoal tem da lei. Responsabilizar criminosos.Cobrar respeito com os mortos, com as vítimas.Isso tem custado um bocado, tem sido muito difícil.E quando morre uma criança brutalmente, nós ficamos meiosem rumo, porque percebemos que o criminoso sente o cheiro da impunidade se aproximar.Ainda que desesperançados pela negligência da lei e pela cultura dominante de proteção aos criminosos, queríamos que você, Isabella, soubesse que o seu rostinho aí da foto nos fortalece. Enche de amor e dá sentido à nossa vida. Obrigado pelo seu sorriso, ainda que o tenhamos conhecido só pela fotografia. Você, linda criança, agora deve descansar em paz. Porque nós – adultos desta cidade que você não conhece e, seguramente, muitos brasileiros dispostos a lutar- temos uma guerra pela frente.
******************************
Escrito por Evandro Pelarin – Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Fernandóplis – SP